Começou na terça-feira, 12 de Novembro, o XII Curso de Escrita Criativa, que terminará a 22 de Dezembro. Como é de praxe, os ex-alunos estão convidados a ir às aulas que lhes aprover.
Convidados:
Reli há pouco tempo a pequenina peça de Almada Negreiros, estranhamente chamada Antes de Começar.
A peça tem apenas duas personagens: o Boneco (curioso e despachado, de início) e a Boneca, tímida e cautelosa.
Os dois têm uma conversa no que descobrimos ser o palco de um teatro. Primeiro, sobre aquilo que conseguem fazer, sendo bonecos, como falar, andar; depois, sobre o que conseguem sentir, já que têm coração!
As duas marionetas (?) temem, sobretudo, que o Homem e família descubram que o Boneco e a Boneca conseguem mexer-se, pensar, sentir e evitam sair da posição em que são deixados para não haver a mais frágil suspeita das suas capacidades.
Na conversa que as duas personagens têm, ficamos também a conhecer a história da criação dos dois, saídos das mãos e do Amor de Ela, que porque os fez com tanto Amor lhes deu também um Coração.
A «peça» termina com o regresso do Homem, acompanhado de um grupo de crianças que vêm assistir a uma peça de teatro, subindo um outro pano de cena nas costas das personagens. A peça verdadeira, é a que começa para as crianças, sendo aquela a que assistimos apenas uma conversa antes de começar a Peça.
O texto é simples, despojado de grandes artifícios literários, mas ao mesmo tempo denso e profundo. Um jovem poderá ver nele apenas uma conversa entre dois bonecos, mas um adulto poderá ler um texto que fala dos Homens através dos Bonecos, da procura do nosso papel no grande palco da vida que é o mundo.
Aconselho a leitura, mas também a representação, até porque os textos teatrais só vivem quando saem do papel.
Cinzentos são os meus dias, cinzento é o céu que me cobre, cinzento é a cor da alma macerada que me amortalha! Cinzento só e apenas cinzento!
É a manhã que teima em não brilhar! A tarde escura e desesperançada! A noite prenhe de estrelas turbulentas de angústia!
Como é que se muda de cor? Mesmo para branco e preto, como é que se muda?
Basta querer? E como é que se quer, quando o cinzento é a cor preferida da alma?
Espera-se pelo sol na alma? Aceita-se o cinzento? Tolera-se o cinzento? Espera-se com esperança sem tempo?
E como é que cheguei aqui? Que passos transviados aqui me conduziram?
E, no entanto, sobrevivo! O sangue corre nas minhas veias!
E chega sobreviver? E a vida vivida, para onde foi? E a alma? E o sol? E o desejo? E o amor?
Olho sem ver, ouço sem ouvir, toco sem sentir!
Até quando? Até onde?
De onde venho? Para onde vou? O que fiz, sem fazer? O que sinto sem sentir? O que desejo sem querer?
Quem me pintou de cinzento? Ou deixei-me pintar?
De que serve o cinzento, quando a pele me é estranha?
Porque triunfou a desconfiança?
Podia ter sido diferente?
Porquê perguntar todas as perguntas do mundo?
Tive-te sem te ter, tiveste-me sem me ter! De que valeu?
Se valeu, não vale!
Não voltes! Não serás bem vinda! Não te quero!
Não quero a raiva! Não quero a ira! Não quero o desengano! Não quero a tristeza!
Quero a paz, a luz, a alegria, a pureza!
Quero a minha alma!
Quero a minha vida!
Quero o sonho!
Quero o amor!
E basta querer?
E como é que se quer?
E, no entanto, sobrevivo! O sangue corre nas minhas veias!
Será que ainda poderei ver, ouvir, sentir?
Será que a paz, a luz, a alegria, a pureza, a alma, a vida, o sonho, o amor, todos juntos, poderão estar mesmo aqui ao meu lado, à espreita, à espera de um sinal?
Não voltes! Não serás bem vinda! Não te quero!
Não quero a raiva! Não quero a ira! Não quero o desengano! Não quero a tristeza!
Se valeu, não vale!
“Adeus, princesa!”
Esguia, esbelta, foi assim que te conheci. Fugidia, arredia, assim te comecei a amar. Os teus olhos verdes, com lampejos dourados são rasgados, lindos, penetrantes, era impossível resistir-lhes!
Encontrava-me, num relaxe total, a apanhar banhos de sol quando pus os olhos em ti! Daí à paixão desmesurada, foi uma questão de horas… Instalaste-te, muito perto, com duas amigas com quem conversavas animadamente numa cumplicidade crescente. Olhávamo-nos de soslaio, mas logo desviavas o olhar … num querer disfarçado de não querer! A paixão aumentava dentro de mim, apetecia roçar a minha na tua face, denunciar a minha satisfação… Contudo, aguentei-me firme, a semi-cerrar os olhos e a observar-te através da ténue sombra dos meus olhos… As tuas amigas foram, tu quedaste-te… parecias estar receptiva ao sentimento arrebatador que já começara a sentir!
Imaginei-te a minha companheira por largos tempos. Iríamos passear os dois, correr de cabelos desgrenhados como duas crianças, caçar borboletas… Iríamos roçar na macieza um do outro, aspirar o odor inebriante que exalamos; deitarmo-nos no prado repleto de flores pululantes, pequeninas, a imaginar desenhos nas nuvens: “aquela parece um cavalo de corrida a competir…”, “e aquela, não te lembra um outro cavalo a galopar, com a crina a dançar ao vento?”, ainda: “aquela além lembra um regador pleno de água, a verter para a natureza”, “que linda esta, parece uma cama fofa para nela pularmos, pularmos … e desatar a rir que nem doidos!”. Como era divertido estar a teu lado, extasiado com o teu ser, a sentir uma paixão crescente e inevitável! Eras a minha princesa, de olhos verdes com lampejos dourados… olhos que fizeram despoletar a minha paixão! E a tua figura esguia, esbelta, a aumentar o meu sentir!
Quando me preparava para abordar-te, pois os nossos olhos pareciam não se querer apartar, surgiu, repentinamente, um outro macho, a transpirar insatisfação por todos os poros e, ainda por cima, a rezingar contigo… Ergueste-te veloz, mas uma das tuas pernas dianteiras escorregou. Tentaste agarrar-te ao muro bem alto. Acabaste por saltar agilmente, mas ficaste imóvel no chão, muito quieta… segundos talvez. E eu, fiquei cheiinho de medo por ti, pela tua espécie de queda aparatosa. Contudo, ergueste-te de novo e afastaste-te à velocidade da luz… Afinal, os gatos têm sete vidas… Adeus, princesa!