Isto hoje vai de chofre: ODEIOOOO-TE.
Não empalideças, não te zangues e não me vires as costas porque isso daria cabo de nós. Não saberia mais como recuperar parte importantíssima da minha vida - o tempo e a trajectória que temos em comum dá-me o direito de te pedir alguma contenção e de minimamente apreciares a minha franqueza.
- Chamas-me egoísta? Tens essa lata?
Agora não aguento mais o que me atafulha a garganta.
· És antiquado;
· Não me largas;
· És um chato;
· Nunca te ris;
· Dás ordens;
· Apitas-me aos ouvidos;
· Não me dás os parabéns;
· Acordas-me de rompante;
· Queres comer quando menos se espera;
· Desconheces um beijo;
· Por vezes apagas-te no sofá;
· Sais-me caríssimo;
· Vais-te abaixo em certos locais;
· És mexeriqueiro;
· Não te lavas;
· Ficas impávido perante qualquer notícia;
· Tens sempre o mesmo fato;
· Dás gritos inoportunos;
· Nunca me ofereces flores;
· Não gostas de um drink;
· Ficas mudo quando não respondo de imediato;
· Metes-te na minha vida;
· Desapareces sem dizer nada;
· Já vi passarem-te a mão pelo pêlo;
· Não gostas do calor;
· Tens ataques de Parkinson;
· Adoras estar agasalhado;
· Dizes coisas sem pensar;
· Vives do e para o écran;
· Fizeste-me perder a liberdade;
BOLAS, ESTOU FARTA ATÉ AOS OLHOS!
Sabes o que me fez rebentar? Pedes-me o PIN a toda a hora e não contente com isso gritas pelo PUK. É coisa que se faça?
Vai à fava!
No dia do meu último aniversário minha sobrinha de vinte e poucos anos ao entregar-me o seu presentinho, comentou:
- Tia, isto aqui é só para lhe dar umas “dorzitas de cabeça”…
Agradecendo a lembrança, repliquei:
- Rica sobrinha, saíste-me uma grande peça!
Pela volumetria, embalagem e peso desconfiei tratar-se de um livro. Rasguei o papel e nasceu na minha mão A Saga de um Pensador, de Augusto Cury.
Recebi vários livros e não foi este o primeiro a que dediquei tempo de leitura. Desconhecia o autor e a sua obra. Até que o apalpei e digeri-o de um só trago.
O seu conteúdo foi tecido de forma bem conseguida, com boa visibilidade, fácil apreensão, tensão controlada: resumindo, uma urdidura bem passajada, com acabamentos mais ou menos rendados aqui e ali, que lhe deram a leveza necessária a uma leitura corrida, centrada e subjugada a dilemas interessantes.
Mas não foi propriamente o enredo utilizado que me sensibilizou e motivou. Ele simplesmente serviu de veículo a uma mensagem subliminar que perpassa da primeira à última página. E aí minha sobrinha acertou nas ditas “enxaquecas”…
Perguntar-me-ão qual foi, então, esse desafio escondido: o apelo a uma reflexão sobre o verdadeiro humanismo, sobre o normal e a loucura, sobre o ser humano único, irrepetível e diferente, sobre a gratidão, o respeito e a aceitação do e pelo outro, sobre a tolerância e o preconceito, sobre a beneficência, a equidade, a injustiça e a solidariedade, sobre a autonomia e a não-maleficência, sobre a compaixão e a humildade, sobre a dor e a morte, sobre a luta pelos ideais de um agir adequado.
É tanto e não é tudo. Mas é o imenso suficiente que impele um livro a transbordar as suas margens. O leitor que sentir esse inundado imperativo será amarrado a um primeiro e solitário debate interior, ginasticando raciocínios, articulando idéias, arquitectando argumentos fundamentados a favor ou contra as atitudes, as acções e a determinação do personagem central: Marco Polo!
Apesar dos azafamados quotidianos e se tiverem apetência por este tipo de especulação, leiam a obra e fortaleçam o labirinto do vosso cérebro!
Já Kant, na Crítica da Razão Pura, dizia:
Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito:
o céu estrelado acima de mim e a lei moral que está em mim.
Caro ex – Moulinex
Gostei de ti assim que te vi!
Eras o mais bonito micro-ondas daquela loja, branco, muito brilhante, formas arredondadas, logótipo da marca de cor vermelha mas muito discreto … achei logo que ficarias na perfeição na bancada da cozinha. Mas, o mais relevante, as tuas funcionalidades que eram excelentes, micro-ondas e forno convencional, que permitiria realizar diversas refeições, desde as mais simples às mais sofisticadas, com grande rapidez e eficácia. Tudo isto explicitado pelo vendedor e complementado com documentos de apoio ao utilizador: livro de instruções, livro de receitas, participação em curso de culinária, vídeo (ainda VHS), com demonstração a par e passo de maravilhosas receitas. Fiquei encantada, apesar do preço que tive de pagar, já que, com tudo isto, também eras o mais oneroso micro-ondas da loja!
As enormes expectativas criadas não foram goradas pois, durante alguns anos, foste uma inequívoca ajuda nas minhas tarefas domésticas e centro dos maiores elogios. Contigo fazia tudo (ou quase) o que se podia fazer na cozinha, desde descongelar alimentos a fazer assados e confeccionar sobremesas. Contigo fazia as delícias da família e dos amigos que ficavam muito admirados com a utilização de todas as tuas potencialidades! Os amigos (ou antes as amigas, pois na minha geração ainda há uma divisão sexual do trabalho) ficavam enlevados com os resultados apresentados dos menus micro-ondas. Contigo partilhava estes sucessos nunca esquecendo de te enaltecer e valorizar as tuas enormes capacidades.
Mais tarde, para te fazer companhia e potenciar a eficácia nas azáfamas domésticas, já que não é fácil conciliar profissão exigente e família com aquelas tarefas, adquiri um robot de cozinha – “a Bimby” que, em meu entender, ficava lindamente ao teu lado e complementava o teu trabalho! Pensei que ficasses feliz com esta companhia tão agradável! Mas não! Muito pelo contrário. Como forma de protesto apresentaste uma avaria logo no dia seguinte à sua aquisição. Fiquei desolada e levei-te, muito preocupada, à empresa de reparação onde tiveste três intermináveis dias … não sabíamos viver sem ti – todos demos pela tua falta, as crianças, o marido e em especial eu. Quando regressaste foi um enorme contentamento Mas tu já não vinhas igual, tinhas perdido a alegria de outrora e ou não trabalhavas ou aquecias em excesso. O que antes saía perfeito agora saía estragado. O que se passava? Já não eras o mesmo? Estavas com ciúme? A “Bimby” não te iria nunca substituir, seria antes a tua companheira e, ambos, poderiam complementar o apoio na cozinha. Mas não, tu desististe, várias avarias seguidas e, por fim, já não havia peças para te substituir … Ficaste na loja de reparação passaste a ser tu utilizado para repor peças em outros micro-ondas.
Fiquei muito zangada contigo!
Agora, comprei outro micro-ondas que não se dá nada mal com a Bimby.
Escolhi Adília não hoje, mas há muitos anos, já ela me convidava a conhecer os gatos dela mesmo sabendo que sou alérgica a gatos. Não gosto de casamentos mas gostei particularmente do casamento de Adília no Tapete de Arraiolos da sala de jantar. Os convidados somos todos nós, leitores, e não há melhor amor quando é espontâneo, sem pensarmos nas manchas que eventualmente sugam ou sujem o tapete da nossa alma que passará a ter de certeza cores diferentes.
Nada, melhor do que estar apaixonada, ou pior do que estar a viver em estado de tintas
fixas em loucos sonhos sem lamentos, sem pensarmos nos erros de ortografia e na
gramática da moral.
Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, leva-me a subir a bainha da saia e
mostrar o prazer de ler e entrar nos conflitos dos relacionamentos onde a música ajeita o corpo em sons que se perdem nas minhas células em Êxtase cósmico.
Foi com Adília que me deixei apaixonar sem que seja necessário o “objecto” amado, é
deixar fluir a vida, os sonhos do quotidiano, secretos “objectos” do imaginário.
Nas pontas das palavras em passos miudinhos onde o mundo amadurece, desvinculada
do moral, Adília sugere-nos um programa como directora artística de uma “Obra” de
tangos cheia de desafios, uma dança a par com malícia literária de um estilo próprio.
Adília Lopes deu-me o (en)canto de identificação de um dialogo novo, do exótico, do
sensual, dos paradoxos.
Reivindica o seu sexo, uma mulher bela «nu» espelho mágico, “uma mulher tão
depressa era feia era bonita” – A Bela Acordada, pag. 300.
“Obra”, a sua certidão, a autobiografia.
“Pinto para dar uma face ao medo” disse Paula Rego uma das mais
conceituadas pintoras, assim identifico e relaciono a ilustração da capa e contra capa da
“Obra”, forma da artista se comprometer com os sonhos de Adília Lopes.
Sinto dificuldade num exercício de ‘crítica’ respeitante ao último romance que li. Acabei de o ler há três ou quatro semanas e, ainda, retenho uma sensação dúbia: não percebo se gostei ou não. Melhor, não consigo estabelecer, claramente, a fronteira que separa o que de alguma forma me sensibilizou, daquilo que nada me disse. E quando falo no que me sensibilizou não me estou a referir em exclusivo ao que me agradou mas, também, ao que me desagradou. Numa leitura, como em quase tudo na vida, o mais importante é que ela não nos seja indiferente.
Caos Calmo de Sandro Veronesi (Ed. ASA), propõe a simultaneidade de duas ocorrências, nos extremos opostos da linha da vida, uma morte e uma fuga à morte (que aqui pode ser vista como um nascer de novo, um re-nascimento), como a charneira para uma, não sei se viragem mas, decididamente, grande reflexão acerca dos valores fundamentais. De facto, Pietro Paladini, o personagem central do romance, vê-se confrontado com a ocorrência da morte de sua mulher em sua casa ao mesmo tempo que ele salva de morrer afogada, na praia, uma banhista desconhecida. Apesar de ser o primeiro destes factos que assume ser a origem do seu comportamento posterior, a verdade é que o segundo está, sempre, presente.
Aceito que cada um dos factos é, por si só, suficientemente forte e determinante para desencadear uma reflexão sobre a existência. Que se coloquem, com toda a acuidade, as interrogações: como? porquê? para quê?. Os limites colocam-nos, sempre, perante a superficialidade.
Não percebo, porém, que os dois factos mais ligados ao Homem, o nascimento e a morte, que são parte da sua condição, sejam os detonadores para um tipo de questionamento pessoal que deve acompanhar o indivíduo enquanto ser pensante e, como tal, sempre preocupado com a sua relação com o ‘outro’ seja um indivíduo, seja o meio que o rodeia.
A radical mudança em Pietro Paladini ter arrastado familiares, amigos e até desconhecidos para uma nova perspectiva de vida, parece-me uma ideia interessante já que desmistifica um pouco o preconceito de que uma atitude isolada está condenada ao fracasso no que a comportamentos sociais diz respeito.
Parece-me requentada e perigosa se bem que, religiosamente, atraente a ideia de que a redenção só se faz sobre a dor, sobre o drama pessoal.
Sendo estas algumas das questões interessantes que Caos Calmo me coloca, considero que no outro prato estão demasiadas páginas com descrições fúteis e de reduzido interesse, tornando-se a sua leitura num penoso exercício de persistência. Talvez a querer dizer que a vida é um misto de interesses e desinteresses. Ou talvez seja, apenas, o caso mais prosaico de um escritor que não é capaz de manter, durante quase quatrocentas páginas, um nível alto de motivação para os leitores. O que acho legítimo.
David Leandro
Maio2009