Um livro infantil, sim. E não é um livro qualquer. É recortado de forma a que a perdida bola, que o título nos revela, se veja a partir de todas as páginas. Não retrata a angustiante perda de alguém com o infeliz nome de Laa-Laa, nem de como o desaparecimento da coisa redonda pode mudar o equilíbrio do mundo. E, ao contrário do que tal acontecimento faria prever, esta é uma “obra” de ficção. Que eu saiba, os coloridos Teletubbies não existem de verdade… Pensando bem, já não tenho tantas certezas. Pode até ser que pululem, contentes, por aí, mas como ultimamente não tenho ido passear ao Chiado não o posso confirmar.
Poderá “A Laa-Laa perdeu a bola” classificar-se de livro? Claro que sim. Não tem capa? Tem. Não tem páginas? Tem. Não conta uma história? Errrr... sim, julgo que conta. Se tem a consistência de bosta e cheira a bosta, então é bosta. Ou merda, dependendo do estrato social e da soltura da língua do leitor destas palavras.
Porque gosto eu deste livro? Porque a minha filha o adora. Este é o livro que faz com ela se mantenha sossegada, sentada no meu colo, a ouvir a douta sabedoria que Andrew Davenport imaginou. Este é o livro que faz com que eu consiga abraçá-la, sem que ela se tente soltar na irreverência dos miúdos. Este é o livro que permite que eu consiga cheirá-la. E ali fico, naquele estado meio sonho, meio doce realidade. Fico ali, apenas, enquanto conto a parva história de um boneco que não consegue apanhar uma parva bola.
Não preciso de 1800 caracteres para dizer o porquê de gostar deste livro, até porque, no departamento dos livros infantis, este é daqueles que ficaria a um canto sem arranjar trabalho. No entanto, a Carolina gosta. E isso chega-me para este ser, hoje, o meu livro preferido.
Ricardo Martins
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Este livro é uma pequena história que tipifica o modo de ser do português, andarilho e saudosista, com os seus sonhos e desilusões, aventuras e desapontamentos. Figura dos meados do século passado, o personagem é , todavia, actual.
Numa leitura mais abrangente, retrata o português de todos os tempos , o povo e a Nação. A História de Portugal está ali de uma maneira simples, mas na sua totalidade, e na constância que molda a nossa idiossincrasia, não obstante as sinuosidades cirunstânciais de séculos e épocas.
O Sr. Ventura teve berço rural , brincou aos castelos, virou costas aos horizontes espartilhantes de regedores e padres acomodados , deitou-se ao mundo, abraçou a aventura andarilhante com laivos de iberismo quixotesco, e, qual filho pródigo, regressou , não espampanante de teres e haveres, mas cedendo ao canto da sereia do torrão natal, para, enfim, matar saudades e reerguer o lar e a vida. Saltitando entre amores e desamores, gerou um filho; conluiando-se com toda a casta de companheiros, ganhando fortunas e desbaratando-as , miscenizando-se sem dar mão do seu temperamento de antes quebrar que torcer, as vicissitudes da vida devolveram-no ao rectângulo de onde partiu. Seria o filho, estrangeiro em terra paterna, a reconstruir fantasias outras e tentar, por sua vez, dar a volta à sorte madrasta.
É também assim este Portugal: de parto difícil, sacudiu os entraves ao crescimento, estabilizou até se aperceber de que já não cabia em tão pequeno espaço o seu tão alto destino. Zarpou à aventura épica de calcorrear novos e desconhecidos mundos, por lá andou numa diáspora persistente, e, esgotados os adamastores , regressou com honra, alguma glória e parcos ganhos. E os filhos que deixou também eles haviam de vir em busca da mesma sorte por que partiu. Agora, estamos todos, nesta “nesga de terra debruada por mar”, lado a lado a construir o sonho da realização.
Trata-se, é certo, de um livro “menor” da extraordinária obra literária de Torga. Escrito em idade viçosa, o autor, mais tarde, ponderou enjeitá-lo, acabando sensatamente por só o podar e enxertar.
Francisco Xavier C. Lopes
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