Forum dos alunos do Curso de Escrita Criativa do El Corte Inglés
Sábado, 23 de Junho de 2007
Discurso Directo

-  Embarca comigo...


 - Não posso.


-  Não podes, ou não queres?


- Não posso, nem quero.


- É grande o meu destino.


 - Eu não procuro um destino grande.


- Então, procuras o quê?


- Nada. Não procuro nada. Tenho em mim tudo o que desejo. Tudo o mais é acidente.


- Então, eu sou só um acidente?


- Também, mas não só.


-  Então, embarca comigo. 


-  Não posso. Tenho outro barco à minha espera.


 - Podes sempre desistir dessa viagem... 


 - Não quero. É esta a minha viagem, é a que quero fazer. A tua, não é a minha viagem.


- Como podes sabê-lo? Ninguém sabe onde é o cais de acostagem...


- Acabas de justificar-me. Pouco me importa qual é o próximo cais. O que me importa mesmo é partir, navegar, ir sempre...


- Mas, comigo  não estarias também em viagem? 


- Não. Contigo estaria embarcada, a bolinar, e eu quero ser o meu próprio vento. Quero escolher o meu caminho.


- Que presumida!...E os acidentes?


 - Os acidentes fazem parte.


- Podem desviar-te...


-  Nunca me desviam, se eu não traço a rota previamente!


 - Há sempre uma rota comum, um porto, uma tormenta...uma última viagem...


- É por essa nos conduzir todos ao mesmo cais que, agora, escolho eu todas as outras...


***


 Levantou ferro ao entardecer e nunca mais ninguém a viu.  Anos mais tarde, quando regressou, já tinha mudado de nome. 


 


Miriam



publicado por Perplexo às 11:35
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Quinta-feira, 21 de Junho de 2007
XST

"Pinta-me", pediu-lhe. "Não posso", respondeu o pintor. "Só pinto o abstracto".


"Pinta-me, portanto", ordenou, " eu sou uma abstracção, um estado d'alma. Não existo. Ninguém sabe quem eu sou."


O pintor olhou-a, então.


Na vernissage seguinte, foi muito felicitado pela sua última criação : uma esfera branca sangrando o azul do mar.


 


Miriam



publicado por Perplexo às 00:24
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CRENÇA-CRIANÇA

Disseram-lhe: não olhes para a lua, porque te nascem cravos nas mãos. Teve medo. Olhou só para as estrelas:


No caminho de casa acendeu-se-lhe uma nova galáxia.



Miriam



publicado por Perplexo às 00:10
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Quarta-feira, 20 de Junho de 2007
Penélope sabia.

Penélope fia, fia no seu tear, incontáveis fios de interminável labor. De dia, Penélope fia, de noite, Penélope sonha. Sonha com Ulisses voltar.


Penélope sorri, com uma estranha luz no olhar, dona do segredo que tece no lar. Entretecendo a lógica do vagar, burlando dos outros o desejo larvar, Penélope engana, engana porque a diverte brincar, brincar com o engano, com a ilusão de saber do alheio.


Penélope fia sobre a esteira do tempo, não sabe, mas sente, que Ulisses virá. Só Penélope sabe que, um dia, Ulisses aportará: ao seu tempo, ao seu corpo, ao seu canto.


* * * * *


Ulisses viaja, procura, perde-se, ama, padece e resiste. Sonha também. Sonha com Penélope, sem saber quem é quem.


* * * * * 


Penélope espreitou a lua e sorriu. Porque só Penélope sabia, que Ulisses chegaria. E, por isso, soube esperar.



Miriam



publicado por Perplexo às 23:47
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Estrelas para o Homem Azul

 


Num dia 3 de Março, o Homem Azul chegou à cidade. E perguntou: "de que cor são as estrelas aqui?" 


A cidade respondeu que as estrelas, na cidade, só têm a cor dos olhos dos que as procuram.


E o Homem Azul perguntou: "de que cor é o céu onde brilham as estrelas da cidade?"


E a cidade respondeu que o céu tinha a cor do coração dos homens que a habitavam.


Então, o Homem Azul perguntou quando poderia ver o céu e as estrelas da cidade.


A cidade respondeu-lhe: "olha bem em teu redor, oferece o teu olhar a quem passa apressado, sem ver. E espera."


 ********** 


75 dias mais tarde, os homens da cidade pasmaram de ver uma chuva de estrelas derramar-se dum céu vermelho-sangue. E convencionaram que seria esta a cor universal do Amor e da paixão.  


 


Miriam



publicado por Perplexo às 23:22
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FRANCISCA SABE VOAR

Braço atirado para diante, salto de gazela, a fita rodopia, enrola, encaracola qual bicha de rabiar, levanta-se do chão, gira, gira no ar.


Francisca e a fita são uma só. Ela pula, dança, salta, os pés em pontas quase não tocam o chão, pernas volantes cortando o ar, a respiração. Ela é ágil, grácil, doce pétala de flor. E a multidão, fascinada, frenética, aplaude o milagre do vôo, a humana ambição.


Vénia graciosa, sorriso rasgado, Francisca agradece, feliz e orgulhosa de não ter falhado. O coração salta também agradecido, dentro do peito pula compassado, pula de alegria, livre, ainda que fechado.


Francisca dançou. Dançou por amor. Francisca sabe dançar. Quando dança, Francisca vôa. Voa sempre com o avô.


...Porque não há amor maior que o dos pássaros em liberdade.



Miriam



 



publicado por Perplexo às 22:43
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Sábado, 16 de Junho de 2007
Xavier, Pintor de Alegrias e Risos


Ela disse: "Xavier pinta, pinta as cores do  arco-íris." 


Xavier pinta-o, porque tem um arco-íris no coração, um arco-íris que um útero,um dia, lhe deu. E desenha. Desenha-nos, brincando com o lápis e os traços e as linhas. Brincando de nós e connosco. Enrola-nos em trapos,  tiras, ligaduras que nos atam a todas as coisas a que ansiamos atar-nos, que a ele não lhe importam e o fazem liberdade pura.  Xavier ata-nos por troça, na traça do seu traço certeiro de pureza menina. Desenha com graça, ironia e humor, com a alegria pícara de quem regista dentro de si o mundo, rindo dele.  Diverte-se a escrever-nos em pernas atiradas para o ar, narizes farejadores, braços malandros agarrando invisíveis nadas, troncos fugitivos do-que-não-se-quer-saber. Brincadeiras pueris que nos devolvem à infância arquivada.


Xavier vai pela vida como anda, saltitando entre  linhas finas,  apaladando a benção de ser livre entre escravos e malandros.  Pisca-nos o olho cúmplice e matreiro, trespassa-nos até ao desconhecido fundo de nós, sacode os ombros  em trejeito de quem não se rala porque, sábio, sabe calar e dizer, sem precisar da fala.  


Xavier-do-olhar-profundo, a rir e a pular chegou onde os outros não irão:   à eternidade do Ser, brincando com o Estar.


Ela disse: "eu era capaz de amar um homem assim."


 E partiu sem destino, com um arco-íris no coração.  


Miriam



publicado por Perplexo às 12:47
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Sexta-feira, 15 de Junho de 2007
Convidados para o próximo curso - lista definitiva
Para o próximo curso (21 de Junho a 6 de Julho) já estão confirmados todos os convidados.
26 de Junho, terça-feira: Teolinda Gersão

28 de Junho, quinta-feria: João Tordo

29 de Junho, sexta-feira: Catarina Fonseca

2 de Julho, segunda-feira: Francisco José Viegas

3 de Julho, terça-feira: Rita Ferro

4 de Julho, quarta-feira: Paulo Nogueira

4 de Julho, quinta-feira: João Rodrigues, editor


publicado por Perplexo às 18:36
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Desertos de Nós




 


Afinal, o deserto era apenas uma miragem. Quando se aproximaram, contemplaram  um belíssimo oásis pontilhado de palmeiras frondosas, ondulando com a brisa quente da tarde, fontanários de água fresca e uma luz estelar deslumbrante. Estacaram, surpresos.  Olharam-se, interrogantes. Abraçaram-se com renovada esperança. E ali mesmo se mataram a sede um do outro.



Miriam



publicado por Perplexo às 16:52
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Terça-feira, 12 de Junho de 2007
Elogio do Olhar

 


Olhou. Com um olhar certeiro, como se disparara uma flecha de luz em direcção ao objecto querido. Subiu a câmara até ao rosto, assestou-a ao olho.


E começou a disparar: sol - céu - nuvem - mar - gruta - rocha - barco - pedra - porto - porta.  E fez-se também ele subitamente, sol e céu, nuvem mar e gruta, rocha barco e pedra, porto e porta...e girava girava girava girava, a luz da tarde era a vertigem... carrocel alucinante... fascínio e abismo ... maravilha dos infernos, se o inferno são os outros ..................


"sou horizonte e limite, ilimitado e infinito, veloz como o tempo perdido, poderoso como tempo cristalizado... sou eu mesmo o tempo irrepetível e único, do instante que prendo e levo comigo, na palma da  mão, na caixa que trago junto ao coração. E dou alma e vida e luz e cor ao instante supremo, e fecho-o na memória p'ra que não corra, fuja, ou  se dilua, na torpeza dos dias e das gentes...


sou deus, homem, actor, sujeito, vidente maior do mundo visível e não visível. Sou tudo, não sendo nada."


* * * * *


Naquele final de tarde em Vila do Conde, entendera, finalmente, o que era uma visão holística da vida. E disparou mais uma fotografia.


 


Miriam



publicado por Perplexo às 18:43
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