Ludmillo contou-me uma história. Era outra vez sobre o rapaz da pasta e sobre a rapariga dos olhos verdes e mãos nervosas que às vezes andavam juntos pela estação. Ludmillo diz que chegavam a passar cem anos e ela não o encontrava, mas que quando ele aparecia era sempre bonito porque ele dava-lhe a mão e ela abraçava-o como se fosse a cair a cair. Era sempre naquela sala de livros grandes de capas castanhas onde havia duas cadeiras. Depois, ele dizia-lhe adeus, até logo, até amanhã e ela ficava à espera. Ludmillo, aí, dá razão à rapariga porque ela esperava, esperava, achava que devia ficar à espera e ficava. Passavam os dias e dias e a andorinha não voltava. Depois, quando chegava, trazia postais antigos, fotografias, papeis atados com fitinhas. Eram tesouros. Ele pedia para ela não de afastar, mas como é que ela se ia afastar? Não há, diz Ludmillo, que sabe de muitas histórias, não há memória de alguma vez um albatroz ter deixado uma andorinha. Houve uma vez em que tudo foi pior porque a palavra andava pra lá e pra cá e não acertava nunca. Era preciso partilhar. Mas, partilhar, pouca gente sabe o que é. Mesmo quem o diz, nunca nunca mergulhou. A rapariga pensava e pensava como haveria de dizer ao rapaz que se não se espera poder confiar noutra pessoa, então nada nada vale a pena, todos os momentos e palavras e gestos se perdem para sempre, sem memória. Mais tarde ela pensou: perdi-o, perdi-o. Será mesmo que o perdeu? Será que ele não vai mais perdoar e voltar? Mas perdoar o quê? E ela andava à solta e a vida era insuportável. Tinha dores no corpo todo. Ele não tinha tempo. Não teria nunca tempo para o amor com ela. Parece-me, disse Ludmillo, que ela só queria era que ele falasse como no princípio, quando o rapaz pousou a pasta no chão de mármore e disse: é tão bom que exista! E, tau!, o coração dela deu um baque. E ele dizia outras coisas. Só mais tarde é que ela percebeu que nem tudo o que ele dizia era para fazer. Ele chegava com a sua voz macia e com mais gestos bonitos, passava-lhe a mão no cabelo e chamava-lhe amor, amor. Ela tremia e o céu era outra vez azul, as borboletas amarelas enchiam os dias a seguir. E era outra vez Outono e ele não aparecia e ela pensava que as coisas só têm graça quando são feitas em conjunto porque se a vida não passa por aí, por onde é que ela anda? Ele falava de alfarrabistas e de irem juntos por Belém ver as ruas e os sítios. E, depois, iam naquela carruagem e ele falava de sempre e falava de sena, mas depois esquecia, esquecia tudo. Era malvado e ruim e quando ele estendia a mão, ela não. Era assim, doía muito. Ela sentia saudades, saudades, mas ele morava do outro lado do rio. Andava dividida entre ele e ele e ele o tempo todo. Andava à toa. Ela só queria era ter entre as mãos a cara dele, como se tivesse apanhado a lua, a lua cheia, não lhe fazer mal, não o mandar embora, abracá-lo e repetir, repetir. É o melhor que eu tenho a fazer, foi a última confissão que ela me fez, disse Ludmillo.
E deles, é tudo o que Ludmillo sabe.