A nossa aluna Maria João Saraiva está a publicar um livro e gostaria que os ex-alunos do Curso de Escrita Criativa estivessem presentes no lançamento.
É no dia 15 de Abril, às 18h30, no sétimo andar do El Corte Inglés.
O livro chama-se "A Dor que me deixaste".
Além de dar apoio a uma colega, será uma óptima oportunidade de mexericar e trocar impressões sobre escrita e a vida em geral!
Começa a 23 de Fevereio mais um curso, que será às terças e quintas - última aula no dia 30 de Março.
Por enquanto estão convidados os seguintes autores:
Lourenço mal se preparava para a noite. Resistente ao ritual de se instalar na cama para dormir pede auxilio a quem com ele, durante anos, o acompanhava nesta passagem. “Vai-te deitar, são horas”, dizia a mãe num tom que ele adivinhava e deixava que se repetisse vezes sem conta. “Estou cansada de te dizer, vai-te deitar”. Lourenço não gostava desta despedida. Custava-lhe deixar o dia. Ainda estava a saborear todos os momentos que interessadamente procurara; jogar com os amigos à bola, falar de um possível presente de Natal, especular sobre um fim-de-semana na casa de um amigo, ou sobre a próxima visita ao pai que vivia no campo. “É a última vez que te digo para ires para a cama”, ditou a mãe num tom imperativo. Talvez fosse este sentido de dever arrastado que o impelia a ir para a cama resignado. O quarto estranho, escuro, arranjado à maneira de um rapaz da sua idade, parecia terreno desconhecido, a ser conquistado, como se de Aljubarrota se tratasse. Medo de prováveis armadilhas e falsos esconderijos nos quais pudesse, com a mãe, tropeçar. Lourenço, um cavaleiro de aventuras diurnas, não gostava de se arriscar à noite. Desconfiava do que a noite lhe podia oferecer. “Sonhos”, propunha-lhe a mãe; “pesadelos”, pensava ele. Desejava ter a mãe sempre por perto, só para ele. Lembrava-lhe outras companhias que não as da escola, recuperava territórios quentes de abundâncias várias, visinhadas de ternura, risos, jogos de prazer e excitações comedidas que não queria abandonar. A mãe. “A mãe está aqui”, dizia-lhe para o acalmar. Olhava para ela, agarrava-lhe a mão, agitava-se querendo encontar um recanto frio nos lençóis envolvendo-se tocado por uma pele fina como a areia do deserto. Uma beleza clássica que o inspirava e que o levava ao sono, de um momento para o outro, abandonava-se e adormecia. Uma espécie de melodia Pop agitou o telefone de forma estridente e apressada. Lourenço atendeu. Era a mãe noticiando que se dirigia para o aeroporto, um trabalho urgente chamava-a para um país distante. Nessa noite, Lourenço ficou sem ninguém. No quarto, à hora de deitar, abriram-se caminhos de uma solidão incómoda por onde teve que passar, e hesitantemente, se desviar para não tropeçar. Antes de adormecer, tentou fazer-se acompanhar e, deitando mão a uma paisagem lunar, encontrou um menino de cabelo de oiro a olhar as estrelas que, com uma voz muito fininha lhe pediu, “conta-me um sonho”. “Um sonho?”, exclamou Lourenço, levantando-se de um salto. Esfregando os olhos, viu o menino com um ar muito sério, “conta-me um sonho”, insistiu. Lembrara-se da parafrase que a mãe evocava “quando um mistério é grande demais, não nos atrevemos a desobedecer”. Nunca tinha pensado contar um sonho a alguém. Resistira tão afincadamente durante anos aos convites da mãe. Respondera ao menino que só pesadelos, ao longo de anos só tinha tido pesadelos.”Não, pesadelos não”, resmungara o menino. E contrariando a pouca vontade perceptivel na voz de Lourenço, tornou a insistir “sonhos, quero sonhos”. Repentinamente, assomava-se a possibilidade de uma aventura nocturna. Timidamente Lourenço atreveu-se, “A minha mãe foi para um país muito distante, tão distante que tem que se atravessar um deserto, pois, ela foi num avião, e o avião caiu, estava com um problema no motor e como não havia mais ninguém para o arranjar teve de o consertar sozinha, à noite, já cansada, deitou-se na areia e adormeceu, distante daqui, de mim que sou seu filho e de tudo, foi acordada por uma voz fininha, a pedir “conta-me um sonho”. Lourenço, acariciou o volume compacto de um papel ilustrado e dirigindo-se ao menino começou a ler “O Principezinho”, e articulando receosamente as palavras soletrou “Uma vez, eu tinha seis anos, vi uma imagem magnifica...” e contou o sonho.
Começou na terça-feira, 12 de Novembro, o XII Curso de Escrita Criativa, que terminará a 22 de Dezembro. Como é de praxe, os ex-alunos estão convidados a ir às aulas que lhes aprover.
Convidados:
Reli há pouco tempo a pequenina peça de Almada Negreiros, estranhamente chamada Antes de Começar.
A peça tem apenas duas personagens: o Boneco (curioso e despachado, de início) e a Boneca, tímida e cautelosa.
Os dois têm uma conversa no que descobrimos ser o palco de um teatro. Primeiro, sobre aquilo que conseguem fazer, sendo bonecos, como falar, andar; depois, sobre o que conseguem sentir, já que têm coração!
As duas marionetas (?) temem, sobretudo, que o Homem e família descubram que o Boneco e a Boneca conseguem mexer-se, pensar, sentir e evitam sair da posição em que são deixados para não haver a mais frágil suspeita das suas capacidades.
Na conversa que as duas personagens têm, ficamos também a conhecer a história da criação dos dois, saídos das mãos e do Amor de Ela, que porque os fez com tanto Amor lhes deu também um Coração.
A «peça» termina com o regresso do Homem, acompanhado de um grupo de crianças que vêm assistir a uma peça de teatro, subindo um outro pano de cena nas costas das personagens. A peça verdadeira, é a que começa para as crianças, sendo aquela a que assistimos apenas uma conversa antes de começar a Peça.
O texto é simples, despojado de grandes artifícios literários, mas ao mesmo tempo denso e profundo. Um jovem poderá ver nele apenas uma conversa entre dois bonecos, mas um adulto poderá ler um texto que fala dos Homens através dos Bonecos, da procura do nosso papel no grande palco da vida que é o mundo.
Aconselho a leitura, mas também a representação, até porque os textos teatrais só vivem quando saem do papel.
Cinzentos são os meus dias, cinzento é o céu que me cobre, cinzento é a cor da alma macerada que me amortalha! Cinzento só e apenas cinzento!
É a manhã que teima em não brilhar! A tarde escura e desesperançada! A noite prenhe de estrelas turbulentas de angústia!
Como é que se muda de cor? Mesmo para branco e preto, como é que se muda?
Basta querer? E como é que se quer, quando o cinzento é a cor preferida da alma?
Espera-se pelo sol na alma? Aceita-se o cinzento? Tolera-se o cinzento? Espera-se com esperança sem tempo?
E como é que cheguei aqui? Que passos transviados aqui me conduziram?
E, no entanto, sobrevivo! O sangue corre nas minhas veias!
E chega sobreviver? E a vida vivida, para onde foi? E a alma? E o sol? E o desejo? E o amor?
Olho sem ver, ouço sem ouvir, toco sem sentir!
Até quando? Até onde?
De onde venho? Para onde vou? O que fiz, sem fazer? O que sinto sem sentir? O que desejo sem querer?
Quem me pintou de cinzento? Ou deixei-me pintar?
De que serve o cinzento, quando a pele me é estranha?
Porque triunfou a desconfiança?
Podia ter sido diferente?
Porquê perguntar todas as perguntas do mundo?
Tive-te sem te ter, tiveste-me sem me ter! De que valeu?
Se valeu, não vale!
Não voltes! Não serás bem vinda! Não te quero!
Não quero a raiva! Não quero a ira! Não quero o desengano! Não quero a tristeza!
Quero a paz, a luz, a alegria, a pureza!
Quero a minha alma!
Quero a minha vida!
Quero o sonho!
Quero o amor!
E basta querer?
E como é que se quer?
E, no entanto, sobrevivo! O sangue corre nas minhas veias!
Será que ainda poderei ver, ouvir, sentir?
Será que a paz, a luz, a alegria, a pureza, a alma, a vida, o sonho, o amor, todos juntos, poderão estar mesmo aqui ao meu lado, à espreita, à espera de um sinal?
Não voltes! Não serás bem vinda! Não te quero!
Não quero a raiva! Não quero a ira! Não quero o desengano! Não quero a tristeza!
Se valeu, não vale!
“Adeus, princesa!”
Esguia, esbelta, foi assim que te conheci. Fugidia, arredia, assim te comecei a amar. Os teus olhos verdes, com lampejos dourados são rasgados, lindos, penetrantes, era impossível resistir-lhes!
Encontrava-me, num relaxe total, a apanhar banhos de sol quando pus os olhos em ti! Daí à paixão desmesurada, foi uma questão de horas… Instalaste-te, muito perto, com duas amigas com quem conversavas animadamente numa cumplicidade crescente. Olhávamo-nos de soslaio, mas logo desviavas o olhar … num querer disfarçado de não querer! A paixão aumentava dentro de mim, apetecia roçar a minha na tua face, denunciar a minha satisfação… Contudo, aguentei-me firme, a semi-cerrar os olhos e a observar-te através da ténue sombra dos meus olhos… As tuas amigas foram, tu quedaste-te… parecias estar receptiva ao sentimento arrebatador que já começara a sentir!
Imaginei-te a minha companheira por largos tempos. Iríamos passear os dois, correr de cabelos desgrenhados como duas crianças, caçar borboletas… Iríamos roçar na macieza um do outro, aspirar o odor inebriante que exalamos; deitarmo-nos no prado repleto de flores pululantes, pequeninas, a imaginar desenhos nas nuvens: “aquela parece um cavalo de corrida a competir…”, “e aquela, não te lembra um outro cavalo a galopar, com a crina a dançar ao vento?”, ainda: “aquela além lembra um regador pleno de água, a verter para a natureza”, “que linda esta, parece uma cama fofa para nela pularmos, pularmos … e desatar a rir que nem doidos!”. Como era divertido estar a teu lado, extasiado com o teu ser, a sentir uma paixão crescente e inevitável! Eras a minha princesa, de olhos verdes com lampejos dourados… olhos que fizeram despoletar a minha paixão! E a tua figura esguia, esbelta, a aumentar o meu sentir!
Quando me preparava para abordar-te, pois os nossos olhos pareciam não se querer apartar, surgiu, repentinamente, um outro macho, a transpirar insatisfação por todos os poros e, ainda por cima, a rezingar contigo… Ergueste-te veloz, mas uma das tuas pernas dianteiras escorregou. Tentaste agarrar-te ao muro bem alto. Acabaste por saltar agilmente, mas ficaste imóvel no chão, muito quieta… segundos talvez. E eu, fiquei cheiinho de medo por ti, pela tua espécie de queda aparatosa. Contudo, ergueste-te de novo e afastaste-te à velocidade da luz… Afinal, os gatos têm sete vidas… Adeus, princesa!
Isto hoje vai de chofre: ODEIOOOO-TE.
Não empalideças, não te zangues e não me vires as costas porque isso daria cabo de nós. Não saberia mais como recuperar parte importantíssima da minha vida - o tempo e a trajectória que temos em comum dá-me o direito de te pedir alguma contenção e de minimamente apreciares a minha franqueza.
- Chamas-me egoísta? Tens essa lata?
Agora não aguento mais o que me atafulha a garganta.
· És antiquado;
· Não me largas;
· És um chato;
· Nunca te ris;
· Dás ordens;
· Apitas-me aos ouvidos;
· Não me dás os parabéns;
· Acordas-me de rompante;
· Queres comer quando menos se espera;
· Desconheces um beijo;
· Por vezes apagas-te no sofá;
· Sais-me caríssimo;
· Vais-te abaixo em certos locais;
· És mexeriqueiro;
· Não te lavas;
· Ficas impávido perante qualquer notícia;
· Tens sempre o mesmo fato;
· Dás gritos inoportunos;
· Nunca me ofereces flores;
· Não gostas de um drink;
· Ficas mudo quando não respondo de imediato;
· Metes-te na minha vida;
· Desapareces sem dizer nada;
· Já vi passarem-te a mão pelo pêlo;
· Não gostas do calor;
· Tens ataques de Parkinson;
· Adoras estar agasalhado;
· Dizes coisas sem pensar;
· Vives do e para o écran;
· Fizeste-me perder a liberdade;
BOLAS, ESTOU FARTA ATÉ AOS OLHOS!
Sabes o que me fez rebentar? Pedes-me o PIN a toda a hora e não contente com isso gritas pelo PUK. É coisa que se faça?
Vai à fava!
No dia do meu último aniversário minha sobrinha de vinte e poucos anos ao entregar-me o seu presentinho, comentou:
- Tia, isto aqui é só para lhe dar umas “dorzitas de cabeça”…
Agradecendo a lembrança, repliquei:
- Rica sobrinha, saíste-me uma grande peça!
Pela volumetria, embalagem e peso desconfiei tratar-se de um livro. Rasguei o papel e nasceu na minha mão A Saga de um Pensador, de Augusto Cury.
Recebi vários livros e não foi este o primeiro a que dediquei tempo de leitura. Desconhecia o autor e a sua obra. Até que o apalpei e digeri-o de um só trago.
O seu conteúdo foi tecido de forma bem conseguida, com boa visibilidade, fácil apreensão, tensão controlada: resumindo, uma urdidura bem passajada, com acabamentos mais ou menos rendados aqui e ali, que lhe deram a leveza necessária a uma leitura corrida, centrada e subjugada a dilemas interessantes.
Mas não foi propriamente o enredo utilizado que me sensibilizou e motivou. Ele simplesmente serviu de veículo a uma mensagem subliminar que perpassa da primeira à última página. E aí minha sobrinha acertou nas ditas “enxaquecas”…
Perguntar-me-ão qual foi, então, esse desafio escondido: o apelo a uma reflexão sobre o verdadeiro humanismo, sobre o normal e a loucura, sobre o ser humano único, irrepetível e diferente, sobre a gratidão, o respeito e a aceitação do e pelo outro, sobre a tolerância e o preconceito, sobre a beneficência, a equidade, a injustiça e a solidariedade, sobre a autonomia e a não-maleficência, sobre a compaixão e a humildade, sobre a dor e a morte, sobre a luta pelos ideais de um agir adequado.
É tanto e não é tudo. Mas é o imenso suficiente que impele um livro a transbordar as suas margens. O leitor que sentir esse inundado imperativo será amarrado a um primeiro e solitário debate interior, ginasticando raciocínios, articulando idéias, arquitectando argumentos fundamentados a favor ou contra as atitudes, as acções e a determinação do personagem central: Marco Polo!
Apesar dos azafamados quotidianos e se tiverem apetência por este tipo de especulação, leiam a obra e fortaleçam o labirinto do vosso cérebro!
Já Kant, na Crítica da Razão Pura, dizia:
Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito:
o céu estrelado acima de mim e a lei moral que está em mim.
Caro ex – Moulinex
Gostei de ti assim que te vi!
Eras o mais bonito micro-ondas daquela loja, branco, muito brilhante, formas arredondadas, logótipo da marca de cor vermelha mas muito discreto … achei logo que ficarias na perfeição na bancada da cozinha. Mas, o mais relevante, as tuas funcionalidades que eram excelentes, micro-ondas e forno convencional, que permitiria realizar diversas refeições, desde as mais simples às mais sofisticadas, com grande rapidez e eficácia. Tudo isto explicitado pelo vendedor e complementado com documentos de apoio ao utilizador: livro de instruções, livro de receitas, participação em curso de culinária, vídeo (ainda VHS), com demonstração a par e passo de maravilhosas receitas. Fiquei encantada, apesar do preço que tive de pagar, já que, com tudo isto, também eras o mais oneroso micro-ondas da loja!
As enormes expectativas criadas não foram goradas pois, durante alguns anos, foste uma inequívoca ajuda nas minhas tarefas domésticas e centro dos maiores elogios. Contigo fazia tudo (ou quase) o que se podia fazer na cozinha, desde descongelar alimentos a fazer assados e confeccionar sobremesas. Contigo fazia as delícias da família e dos amigos que ficavam muito admirados com a utilização de todas as tuas potencialidades! Os amigos (ou antes as amigas, pois na minha geração ainda há uma divisão sexual do trabalho) ficavam enlevados com os resultados apresentados dos menus micro-ondas. Contigo partilhava estes sucessos nunca esquecendo de te enaltecer e valorizar as tuas enormes capacidades.
Mais tarde, para te fazer companhia e potenciar a eficácia nas azáfamas domésticas, já que não é fácil conciliar profissão exigente e família com aquelas tarefas, adquiri um robot de cozinha – “a Bimby” que, em meu entender, ficava lindamente ao teu lado e complementava o teu trabalho! Pensei que ficasses feliz com esta companhia tão agradável! Mas não! Muito pelo contrário. Como forma de protesto apresentaste uma avaria logo no dia seguinte à sua aquisição. Fiquei desolada e levei-te, muito preocupada, à empresa de reparação onde tiveste três intermináveis dias … não sabíamos viver sem ti – todos demos pela tua falta, as crianças, o marido e em especial eu. Quando regressaste foi um enorme contentamento Mas tu já não vinhas igual, tinhas perdido a alegria de outrora e ou não trabalhavas ou aquecias em excesso. O que antes saía perfeito agora saía estragado. O que se passava? Já não eras o mesmo? Estavas com ciúme? A “Bimby” não te iria nunca substituir, seria antes a tua companheira e, ambos, poderiam complementar o apoio na cozinha. Mas não, tu desististe, várias avarias seguidas e, por fim, já não havia peças para te substituir … Ficaste na loja de reparação passaste a ser tu utilizado para repor peças em outros micro-ondas.
Fiquei muito zangada contigo!
Agora, comprei outro micro-ondas que não se dá nada mal com a Bimby.